A
GUERRA DOS SÍMIOS-MAQUIAVELIANOS
Kleber J.
Carrera Ramos[1]
Longe de tentar com essa reflexão demover, a quem quer que seja, de suas
convicções político partidárias sobre o inviolável direito ao voto livre e
legítimo, ou mesmo, buscar com meus argumentos seduzir ou influenciar alguém
acerca das opções postas nesse segundo turno das eleições nacionais no Brasil
em 2018.
Quero mesmo e recorrer ao auxílio de autores que nos ajudem a entender
parte dessa contemporaneidade, e a partir daí, comentar minhas impressões
particulares sobre o cenário político atual, e ainda, enumerar minhas restrições
e preocupações sobre as consequências que as alternativas democráticas – que nos
foram colocadas – trazem à população brasileira.
Em a Marcha da Insensatez [i]
TUCHAMAN (1986) nos apresenta uma reflexão intrigante sobre a movimentação que
sociedades inteiras conduzem seus esforços sócio políticos para o abismo
institucional, colocando voluntária e deliberadamente suas energias sociais na
adoção de alternativas absolutamente contrárias a seus interesses, padecendo
posteriormente das consequências funestas oriundas da mais absoluta incoerência
entre seus anseios e as iniciativas legitimadas pela decisão da maioria.
O episódio histórico da Guerra de Tróia, assunto dos maiores poemas da
Antiguidade, os de Homero e Virgílio. Onde os troianos apesar de todas as
evidências simplesmente introduziram, em sua cidade inexpugnável, um cavalo de
madeira recheado de soldados gregos, e que na primeira oportunidade tomaram de
assalto a cidade de Tróia completamente desguarnecida e vulnerável. Esse
célebre episódio histórico serve-nos de ilustração para refletir sobre como
estamos em situação análoga, se colocarmos em evidência as propostas das candidaturas
sobreviventes do primeiro turno.
Parece-nos que ao olharmos os resultados da disputa inicial das eleições
nacionais em 2018, fica evidente que abolimos as discussões sobre as propostas
de governo que apontavam para a construção de um projeto de país, de certo que,
em nossa tradição de sociedade não temos como ponto forte a demanda por
resultados a longo prazo que traduzam de forma mais clara a posição que
almejamos como Nação.
No entanto, desta vez a esmagadora maioria aboliu por completo o debate
sobre as macroestratégias a serem a dotadas pela Nação, abrigando-se em
quirelas superficiais e pouco efetivas para a promoção de avanços que sustentem
a retomada do desenvolvimento do país, evidenciando nossa predileção por
assuntos frívolos alimentados por fake
news oriundos das mais diversas fontes.
Eis o núcleo da insensatez: estamos imersos na cegueira situacional sobre
as consequências da adoção de políticas dos extremos. Em ambas as plataformas –
postas no segundo turno – estamos distantes da análise amadurecida de quais são
as consequências funestas colocadas em cada posição extrema.
Lamentavelmente, nossa preocupação reside em escolher de forma dicotômica
entre a supressão ora da violência, ora da corrupção. Baseando nossas
expectativas em milagrosas ações imediatas e de curto prazo, como que se esses
resultados fossem passíveis de serem realizados em um único período de governo.
E quais as causas dessa situação em que chegamos?
A resposta reside na predileção da maioria em escolher entre distintos
estilos de fazer política, e de como nos agrada a política, com a vemos e
vivenciamos.
Segundo Matus (1996)[ii]
existem três estilos distintos de fazer política:
(i)
O Estilo Chimpanzé, descreve como a vida dos
Chimpanzés está centrada nas relações de dominação-submissão, do poder pelo
poder, de alianças e coalizões táticas, transitórias e instrumentais, e de uma
rivalidade permanente, pelo comando da manada, alternada por longos e
duradouros períodos de reconciliação. A luta pelo poder entre os lideres símios
é constante, a frequência das agressões correspondentes, com a formação de
coalizões muito altas. A manada deve obedecer enquanto o chefe a conduz guiado
pelo capricho e o instinto. O projeto é o chefe e o chefe é o projeto. O chefe
é o superior porque é o mais forte, e tudo lhe é permitido. Trata-se de um jogo
de soma zero na qual o poder muda de mão toda a vez que surge um chefe mais
forte e não existe Projeto Social. Neste caso, a estratégia política gira em
torno da manutenção do poder, de usá-lo em benefício próprio, de anular as
ameaças dos rivais, de eleger um sucessor que garanta a proteção ao chefe
envelhecido. Se possível, o chefe trata de legitimar uma dinastia familiar na
paz da submissão.
(ii)
O Estilo Maquiavel, o Chimpanzé alfabetiza-se,
desenvolve sua inteligência, ajusta seus valores à luta cruel e constrói um
projeto para o grupo. É a passagem do objetivo pessoal para o projeto social.
Neste sentido, a ação do chefe subordina-se à direção de um projeto que o
transcende. O que importa é o objetivo e esse é superior ao indivíduo, os meios
e a ética devem adequar-se a ele. O chefe está a serviço do objetivo, mas
personifica-o tão intimamente que se confunde com o projeto. O chefe não é o
projeto, mas o projeto parece impossível sem este chefe. As alianças podem ser
táticas e instrumentais, mas a serviço transitório do objetivo estratégico. As
regras de ética não se justificam em benefício do chefe, mas por sua eficácia
para os fins perseguidos. Tudo gira em torno de um projeto e de uma ideologia
que exigem mando e subordinação. O poder pessoal é instrumental para o projeto,
não é mais o objetivo. O cálculo estratégico do líder está direcionado para:
assegurar o seu próprio êxito; evitar as sentenças que possam desviá-lo;
dividir a base social entre partidários e adversários; fazer uso constante da
mediação de forças políticas sem temer a violência armada; dissuadir o
adversário pelo controle dos recursos-chaves que permitem o controle de suas
intenções e movimentos; e estabelecer clara distinção entre o governo que
comanda guiado por um fim superior e os cidadãos que obedecem por convicção,
por dissuasão ou pela força.
(iii)
O Estilo Gandhi, os valores e a ética passam ao
primeiro plano, e reconhece-se que o homem tem direitos que incluem o
adversário, que não deve ser tratado como inimigo. O avanço do projeto está
subordinado ao consenso, à cooperação e aos meios pacíficos. O consenso governa
o projeto e o projeto governa o líder. O líder não se investe de uma imagem
superior nem reclama poderes especiais. É líder porque representa o consenso,
busca a cooperação, respeita todas as posições, é respeitado por todos, dá
exemplo de modéstia e austeridade, e tenta governar com a confiança de todos. O
Chefe não necessita de força física – pode inclusive ser frágil – já que seu
poder tem raízes no consenso e no exemplo. O projeto não deve ser alcançado por
qualquer meio, eis que o meio utilizado marca a legitimidade do objetivo. Os
meios subordinam-se ao objetivo, e este eleva à sua condição certos meios, como
a cooperação e o respeito pelo outro. O projeto consiste na auto regulação das
aspirações e desejos individuais em uma cultura sistêmica mas na qual o outro
está sempre presente, não como adversário que deve ser vencido, mas como
companheiro reconhecido com o qual se deve conviver. Predomina uma cultura
sociocêntrica, o oposto de uma cultura egocêntrica, mas sem a imposição do
coletivo sobre o indivíduo. Nesse sentido a estratégia privilegia a persuasão,
o diálogo, a negociação cooperativa, a elevação da cultura, a desdogmatização,
a motivação pelo trabalho em comum, o desenvolvimento das ciências que ampliam
a base distributiva e a eliminação das desigualdades na educação, considerada
fonte básica de todas as desigualdades. Esse estilo repousa no fato de
reconhecer que o outro tem interesses legítimos, tão legítimos quanto os meus.
E se esses interesses são conflitivos é necessário mudar o mundo dos valores e
das ideologias. Em vez de derrotar é preciso ganhar o adversário. O projeto vem
antes de mim, a convivência vem antes do projeto, e a convivência exige a
igualdade de oportunidades baseada na igualdade de educação e cultura.
Baseado nessa abordagem podemos destacar algumas
observações bem interessantes, que residem na nossa condição de sociedade que –
em óbvio processo de desenvolvimento – deve experimentar a escolha no segundo
turno das eleições entre duas alternativas políticas claramente próximas do
estilo Chimpanzé.
Digo claramente próximas, haja vista, que não
dispomos de nenhum dos três estilos puros. Mesmo no primeiro turno tivemos
candidatos que colecionavam em seus discursos as características predominantes
de dois estilos, ora o binômio Chimpanzé/Maquiavel, ora Maquiavel/Gandhi. De
toda sorte, há aqueles que guardam em suas características uma maior proximidade
com o estilo específico, contudo, nunca totalmente puro.
Essa predileção (ou identificação) dos eleitores por
essa maneira Chimpanzé/Maquiavel de fazer política pode ter relação com as
circunstâncias hostis decorrentes da crise econômica pela qual a sociedade
experimenta nos últimos anos, em que a capacidade de geração de renda, em uma
escala reduzida, e de receita em outro escala ampliada, nos apresenta um futuro
da manutenção ou superação das restrições monetárias e, por sua conta, da
incerteza econômica e que, por sua vez, alimenta a instabilidade sócio
política.
Por outro lado, dada a esmagadora maioria das pessoas
que exprimem suas expectativas por respostas imediatistas que a maneira
Chimpanzé/Maquiavel oferece abundantemente, em contraponto às respostas de mais
longo prazo que a maneira Maquiavel/Gandhi oferece e defende como sustentável,
dessa diferença surge a adesão por legitimar o discurso mais ríspido típico da
postura do estilo símio.
Pois bem, essa instabilidade sócio política decorre
de um desequilíbrio entre três dimensões muito próprias de sociedades baseadas
em circuitos econômicos de produção e consumo tipicamente capitalistas: (i) as
liberdades econômicas; (ii) as liberdades políticas e (iii) as respostas ágeis
dos governos frente ao atendimento das necessidades e demandas dos cidadãos –
descritas na teoria dos Três Cintos de Governo de MATUS, Carlos.
Nessa perspectiva o discurso Chimpanzé/Maquiavel na
busca de privilegiar e abrigar os anseios por estabilidade econômica, e ainda, de
garantir de forma expedita o atendimento das demandas e necessidades da
sociedade, revela seu menos prezar (que se difere de menosprezo) pela garantia
de liberdades políticas de segmentos da sociedade que, ao seu ver, são
adversários de seus objetivos contidos nas ideológicas plataformas e programas
de seu governo, e portanto devem ser vencidos pela força se os argumentos não
forem suficientemente convincentes.
Para fins de análise restamos apenas adotar alguns
pressupostos – que ainda frágeis – podem nos ajudar a compreender de forma crítica:
quais são as consequências advindas desta eleição sobre a condição de
sustentabilidade da democracia no Brasil para qualquer um dos candidatos que
lograrem êxito nessas eleições de 2018.
Parecemos razoável admitir que para ambos os
vitoriosos, as Instituições Públicas – entendido como os Poderes da República e
suas organizações das mais variadas Esferas de Governo – têm a possibilidade
real e a alta probabilidade de serem testadas à exaustão, onde o equilíbrio
entre os Poderes na preservação do Estado Democrático de Direito, surge como
instrumento para manutenção da Democracia.
Esse pressuposto está alicerçado na peculiaridade de
atestarmos a fraqueza, ou pelo menos a não observância, dos elementos que
caracterizam a disponibilidade em ambas as candidaturas de construir e conduzir
de maneira hábil um Projeto de Nação, que é necessário, para a construção de
consensos estratégicos, fugindo, portanto, da tentadora personificação do poder,
em qualquer que seja o resultado do segundo turno, que é disputado por duas figuras
políticas centrais dessas duas campanhas que pleiteiam o comando da Presidência
da República, os líderes do PSL e do PT.
Alguns elementos favoráveis apontam para que nossas Instituições
saiam incólumes a esse teste de fogo, esses elementos surgem como recursos
estratégicos disponíveis à sociedade e podem, e se necessário, servirão de
mecanismos de controle que a sociedade fragmentada e dividida tem à disposição:
A guerra da informação.
É de bom alvitre considerar, que qualquer que seja a
agremiação política vitoriosa – seja ela representada pela extrema esquerda, ou
ainda, pela extrema direita – nossos símios-maquiavelianos estão igualmente
submetidos a informação e a contra informação (Fake News) produzidas em larga escala.
Por força da imposição de um arremedo de projeto
político de nação, legitimado pela eleição, projeto esse, que deverá direcionar
as macropolíticas públicas, e por consequência, traduzir-se em ações políticas
de atendimento das demandas e necessidades da população, os reflexos dessas
políticas estarão inevitável e irreversivelmente submetidos às checagens
implacáveis dos eleitores portadores de smartphones,
e seus respectivos aplicativos.
Nossas Instituições terão o desafio de suportar as
pressões por políticas que busquem a hegemonia e a ultra estabilidade da
ideologia vitoriosa, e assegurar ao mesmo tempo o equilíbrio democrático, isso
no limite entre o equilíbrio político, macroeconômico e do atendimento as
demandas e necessidades do cidadão brasileiro, seja ele quem for e onde este estiver.
Um caminho parece-me inevitável e irreversível: a
guerra da informação tende a promover um movimento que pressiona nossas
instituições a saírem da condição de instituições analógicas moldadas ainda nos
processos burocráticos, em direção a um governo on line, digital e móvel. Onde a resposta ao atendimento das
demandas e necessidades da sociedade deve atender aos rigores da rapidez com
que a internet doutrina nossos leitores on
line, digitais e móveis.
Nessa perspectiva, a atual marcha da insensatez, que
produziu a guerra dos símios-maquiavelianos, tem no fundo no fundo, um
propósito nobre: fortalecer nossas instituições públicas em bases democráticas.
[i]
TUCHMAN, Bárbara. A Marcha da Insensatez. Rio de Janeiro. José Olimpio. 1986
[ii]
MATUS, Carlos. Estratégias Políticas: Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi. São Paulo.
1996