sábado, 20 de outubro de 2018


A GUERRA DOS SÍMIOS-MAQUIAVELIANOS

Kleber J. Carrera Ramos[1]

Longe de tentar com essa reflexão demover, a quem quer que seja, de suas convicções político partidárias sobre o inviolável direito ao voto livre e legítimo, ou mesmo, buscar com meus argumentos seduzir ou influenciar alguém acerca das opções postas nesse segundo turno das eleições nacionais no Brasil em 2018.
Quero mesmo e recorrer ao auxílio de autores que nos ajudem a entender parte dessa contemporaneidade, e a partir daí, comentar minhas impressões particulares sobre o cenário político atual, e ainda, enumerar minhas restrições e preocupações sobre as consequências que as alternativas democráticas – que nos foram colocadas – trazem à população brasileira.
Em a Marcha da Insensatez [i] TUCHAMAN (1986) nos apresenta uma reflexão intrigante sobre a movimentação que sociedades inteiras conduzem seus esforços sócio políticos para o abismo institucional, colocando voluntária e deliberadamente suas energias sociais na adoção de alternativas absolutamente contrárias a seus interesses, padecendo posteriormente das consequências funestas oriundas da mais absoluta incoerência entre seus anseios e as iniciativas legitimadas pela decisão da maioria.
O episódio histórico da Guerra de Tróia, assunto dos maiores poemas da Antiguidade, os de Homero e Virgílio. Onde os troianos apesar de todas as evidências simplesmente introduziram, em sua cidade inexpugnável, um cavalo de madeira recheado de soldados gregos, e que na primeira oportunidade tomaram de assalto a cidade de Tróia completamente desguarnecida e vulnerável. Esse célebre episódio histórico serve-nos de ilustração para refletir sobre como estamos em situação análoga, se colocarmos em evidência as propostas das candidaturas sobreviventes do primeiro turno.
Parece-nos que ao olharmos os resultados da disputa inicial das eleições nacionais em 2018, fica evidente que abolimos as discussões sobre as propostas de governo que apontavam para a construção de um projeto de país, de certo que, em nossa tradição de sociedade não temos como ponto forte a demanda por resultados a longo prazo que traduzam de forma mais clara a posição que almejamos como Nação.
No entanto, desta vez a esmagadora maioria aboliu por completo o debate sobre as macroestratégias a serem a dotadas pela Nação, abrigando-se em quirelas superficiais e pouco efetivas para a promoção de avanços que sustentem a retomada do desenvolvimento do país, evidenciando nossa predileção por assuntos frívolos alimentados por fake news oriundos das mais diversas fontes.
Eis o núcleo da insensatez: estamos imersos na cegueira situacional sobre as consequências da adoção de políticas dos extremos. Em ambas as plataformas – postas no segundo turno – estamos distantes da análise amadurecida de quais são as consequências funestas colocadas em cada posição extrema.
Lamentavelmente, nossa preocupação reside em escolher de forma dicotômica entre a supressão ora da violência, ora da corrupção. Baseando nossas expectativas em milagrosas ações imediatas e de curto prazo, como que se esses resultados fossem passíveis de serem realizados em um único período de governo.
E quais as causas dessa situação em que chegamos?
A resposta reside na predileção da maioria em escolher entre distintos estilos de fazer política, e de como nos agrada a política, com a vemos e vivenciamos.
Segundo Matus (1996)[ii] existem três estilos distintos de fazer política:
(i)           O Estilo Chimpanzé, descreve como a vida dos Chimpanzés está centrada nas relações de dominação-submissão, do poder pelo poder, de alianças e coalizões táticas, transitórias e instrumentais, e de uma rivalidade permanente, pelo comando da manada, alternada por longos e duradouros períodos de reconciliação. A luta pelo poder entre os lideres símios é constante, a frequência das agressões correspondentes, com a formação de coalizões muito altas. A manada deve obedecer enquanto o chefe a conduz guiado pelo capricho e o instinto. O projeto é o chefe e o chefe é o projeto. O chefe é o superior porque é o mais forte, e tudo lhe é permitido. Trata-se de um jogo de soma zero na qual o poder muda de mão toda a vez que surge um chefe mais forte e não existe Projeto Social. Neste caso, a estratégia política gira em torno da manutenção do poder, de usá-lo em benefício próprio, de anular as ameaças dos rivais, de eleger um sucessor que garanta a proteção ao chefe envelhecido. Se possível, o chefe trata de legitimar uma dinastia familiar na paz da submissão.

(ii)          O Estilo Maquiavel, o Chimpanzé alfabetiza-se, desenvolve sua inteligência, ajusta seus valores à luta cruel e constrói um projeto para o grupo. É a passagem do objetivo pessoal para o projeto social. Neste sentido, a ação do chefe subordina-se à direção de um projeto que o transcende. O que importa é o objetivo e esse é superior ao indivíduo, os meios e a ética devem adequar-se a ele. O chefe está a serviço do objetivo, mas personifica-o tão intimamente que se confunde com o projeto. O chefe não é o projeto, mas o projeto parece impossível sem este chefe. As alianças podem ser táticas e instrumentais, mas a serviço transitório do objetivo estratégico. As regras de ética não se justificam em benefício do chefe, mas por sua eficácia para os fins perseguidos. Tudo gira em torno de um projeto e de uma ideologia que exigem mando e subordinação. O poder pessoal é instrumental para o projeto, não é mais o objetivo. O cálculo estratégico do líder está direcionado para: assegurar o seu próprio êxito; evitar as sentenças que possam desviá-lo; dividir a base social entre partidários e adversários; fazer uso constante da mediação de forças políticas sem temer a violência armada; dissuadir o adversário pelo controle dos recursos-chaves que permitem o controle de suas intenções e movimentos; e estabelecer clara distinção entre o governo que comanda guiado por um fim superior e os cidadãos que obedecem por convicção, por dissuasão ou pela força.

(iii)         O Estilo Gandhi, os valores e a ética passam ao primeiro plano, e reconhece-se que o homem tem direitos que incluem o adversário, que não deve ser tratado como inimigo. O avanço do projeto está subordinado ao consenso, à cooperação e aos meios pacíficos. O consenso governa o projeto e o projeto governa o líder. O líder não se investe de uma imagem superior nem reclama poderes especiais. É líder porque representa o consenso, busca a cooperação, respeita todas as posições, é respeitado por todos, dá exemplo de modéstia e austeridade, e tenta governar com a confiança de todos. O Chefe não necessita de força física – pode inclusive ser frágil – já que seu poder tem raízes no consenso e no exemplo. O projeto não deve ser alcançado por qualquer meio, eis que o meio utilizado marca a legitimidade do objetivo. Os meios subordinam-se ao objetivo, e este eleva à sua condição certos meios, como a cooperação e o respeito pelo outro. O projeto consiste na auto regulação das aspirações e desejos individuais em uma cultura sistêmica mas na qual o outro está sempre presente, não como adversário que deve ser vencido, mas como companheiro reconhecido com o qual se deve conviver. Predomina uma cultura sociocêntrica, o oposto de uma cultura egocêntrica, mas sem a imposição do coletivo sobre o indivíduo. Nesse sentido a estratégia privilegia a persuasão, o diálogo, a negociação cooperativa, a elevação da cultura, a desdogmatização, a motivação pelo trabalho em comum, o desenvolvimento das ciências que ampliam a base distributiva e a eliminação das desigualdades na educação, considerada fonte básica de todas as desigualdades. Esse estilo repousa no fato de reconhecer que o outro tem interesses legítimos, tão legítimos quanto os meus. E se esses interesses são conflitivos é necessário mudar o mundo dos valores e das ideologias. Em vez de derrotar é preciso ganhar o adversário. O projeto vem antes de mim, a convivência vem antes do projeto, e a convivência exige a igualdade de oportunidades baseada na igualdade de educação e cultura.
Baseado nessa abordagem podemos destacar algumas observações bem interessantes, que residem na nossa condição de sociedade que – em óbvio processo de desenvolvimento – deve experimentar a escolha no segundo turno das eleições entre duas alternativas políticas claramente próximas do estilo Chimpanzé.
Digo claramente próximas, haja vista, que não dispomos de nenhum dos três estilos puros. Mesmo no primeiro turno tivemos candidatos que colecionavam em seus discursos as características predominantes de dois estilos, ora o binômio Chimpanzé/Maquiavel, ora Maquiavel/Gandhi. De toda sorte, há aqueles que guardam em suas características uma maior proximidade com o estilo específico, contudo, nunca totalmente puro.
Essa predileção (ou identificação) dos eleitores por essa maneira Chimpanzé/Maquiavel de fazer política pode ter relação com as circunstâncias hostis decorrentes da crise econômica pela qual a sociedade experimenta nos últimos anos, em que a capacidade de geração de renda, em uma escala reduzida, e de receita em outro escala ampliada, nos apresenta um futuro da manutenção ou superação das restrições monetárias e, por sua conta, da incerteza econômica e que, por sua vez, alimenta a instabilidade sócio política.
Por outro lado, dada a esmagadora maioria das pessoas que exprimem suas expectativas por respostas imediatistas que a maneira Chimpanzé/Maquiavel oferece abundantemente, em contraponto às respostas de mais longo prazo que a maneira Maquiavel/Gandhi oferece e defende como sustentável, dessa diferença surge a adesão por legitimar o discurso mais ríspido típico da postura do estilo símio.
Pois bem, essa instabilidade sócio política decorre de um desequilíbrio entre três dimensões muito próprias de sociedades baseadas em circuitos econômicos de produção e consumo tipicamente capitalistas: (i) as liberdades econômicas; (ii) as liberdades políticas e (iii) as respostas ágeis dos governos frente ao atendimento das necessidades e demandas dos cidadãos – descritas na teoria dos Três Cintos de Governo de MATUS, Carlos.
Nessa perspectiva o discurso Chimpanzé/Maquiavel na busca de privilegiar e abrigar os anseios por estabilidade econômica, e ainda, de garantir de forma expedita o atendimento das demandas e necessidades da sociedade, revela seu menos prezar (que se difere de menosprezo) pela garantia de liberdades políticas de segmentos da sociedade que, ao seu ver, são adversários de seus objetivos contidos nas ideológicas plataformas e programas de seu governo, e portanto devem ser vencidos pela força se os argumentos não forem suficientemente convincentes.
Para fins de análise restamos apenas adotar alguns pressupostos – que ainda frágeis – podem nos ajudar a compreender de forma crítica: quais são as consequências advindas desta eleição sobre a condição de sustentabilidade da democracia no Brasil para qualquer um dos candidatos que lograrem êxito nessas eleições de 2018.
Parecemos razoável admitir que para ambos os vitoriosos, as Instituições Públicas – entendido como os Poderes da República e suas organizações das mais variadas Esferas de Governo – têm a possibilidade real e a alta probabilidade de serem testadas à exaustão, onde o equilíbrio entre os Poderes na preservação do Estado Democrático de Direito, surge como instrumento para manutenção da Democracia.
Esse pressuposto está alicerçado na peculiaridade de atestarmos a fraqueza, ou pelo menos a não observância, dos elementos que caracterizam a disponibilidade em ambas as candidaturas de construir e conduzir de maneira hábil um Projeto de Nação, que é necessário, para a construção de consensos estratégicos, fugindo, portanto, da tentadora personificação do poder, em qualquer que seja o resultado do segundo turno, que é disputado por duas figuras políticas centrais dessas duas campanhas que pleiteiam o comando da Presidência da República, os líderes do PSL e do PT.
Alguns elementos favoráveis apontam para que nossas Instituições saiam incólumes a esse teste de fogo, esses elementos surgem como recursos estratégicos disponíveis à sociedade e podem, e se necessário, servirão de mecanismos de controle que a sociedade fragmentada e dividida tem à disposição: A guerra da informação.
É de bom alvitre considerar, que qualquer que seja a agremiação política vitoriosa – seja ela representada pela extrema esquerda, ou ainda, pela extrema direita – nossos símios-maquiavelianos estão igualmente submetidos a informação e a contra informação (Fake News) produzidas em larga escala.
Por força da imposição de um arremedo de projeto político de nação, legitimado pela eleição, projeto esse, que deverá direcionar as macropolíticas públicas, e por consequência, traduzir-se em ações políticas de atendimento das demandas e necessidades da população, os reflexos dessas políticas estarão inevitável e irreversivelmente submetidos às checagens implacáveis dos eleitores portadores de smartphones,  e seus respectivos aplicativos.
Nossas Instituições terão o desafio de suportar as pressões por políticas que busquem a hegemonia e a ultra estabilidade da ideologia vitoriosa, e assegurar ao mesmo tempo o equilíbrio democrático, isso no limite entre o equilíbrio político, macroeconômico e do atendimento as demandas e necessidades do cidadão brasileiro, seja ele quem for e onde este estiver.
Um caminho parece-me inevitável e irreversível: a guerra da informação tende a promover um movimento que pressiona nossas instituições a saírem da condição de instituições analógicas moldadas ainda nos processos burocráticos, em direção a um governo on line, digital e móvel. Onde a resposta ao atendimento das demandas e necessidades da sociedade deve atender aos rigores da rapidez com que a internet doutrina nossos leitores on line, digitais e móveis.
Nessa perspectiva, a atual marcha da insensatez, que produziu a guerra dos símios-maquiavelianos, tem no fundo no fundo, um propósito nobre: fortalecer nossas instituições públicas em bases democráticas.





[1] Arquiteto e Urbanista, carreraramos@gmail.com  17/10/2018.


[i] TUCHMAN, Bárbara. A Marcha da Insensatez. Rio de Janeiro. José Olimpio. 1986
[ii] MATUS, Carlos. Estratégias Políticas: Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi. São Paulo. 1996

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